sexta-feira, março 19, 2004

Diálogo interessante

CONVERSA ENTRE PAI E FILHO, ANTES DE ADORMECER, NUMA CIDADE
NORTE-AMERICANA

Filho: Pai, por que é que tivemos que atacar o Iraque?

Pai: Porque eles tinham armas de destruição em massa, filho.

Filho: Mas os inspetores não encontraram nenhuma arma de destruição em massa.

Pai: Isso é porque os iraquianos as esconderam.

Filho: E por que é que nós invadimos o Iraque?

Pai: Bom, as invasões funcionam sempre melhor que as inspeções.

Filho: Mas depois de os termos invadido, ainda não encontramos nenhuma arma...

Pai: Isso é porque as armas estão muito bem escondidas. Mas haveremos de encontrar alguma coisa, provavelmente antes mesmo das próximas eleições.

Filho: Para que é que o Iraque queria todas aquelas armas de destruição em massa?

Pai: Para as usar numa guerra, claro.

Filho: Estou confuso. Se eles tinham todas essas armas e planeavam usá-las numa guerra, então porque é que não usaram nenhuma quando os atacámos?

Pai: Bem, obviamente não queriam que ninguém soubesse que eles tinham aquelas armas, por isso eles escolheram morrer aos milhares em vez de se defenderem.

Filho: Isso não faz sentido. Porque é que eles haveriam de escolher morrer se tinham todas aquelas armas poderosas para lutar contra nós?

Pai: É uma cultura diferente. Não é necessário fazer sentido.

Filho: Pai, não sei o que é que você acha, mas não me parece que eles tivessem quaisquer daquelas armas que o nosso governo dizia que eles tinham.

Pai: Bem, não interessa se eles tinham ou não aquelas armas. De qualquer modo nós tínhamos outra boa razão para os invadir.

Filho: E qual era?

Pai: Mesmo que o Iraque não tivesse armas de destruição em massa, Saddam Hussein era um cruel ditador, o que é outra boa razão para invadir um país.

Filho: Por que? O que é que um ditador cruel faz para que seja correto invadir o seu país?

Pai: Bom, pelo menos uma coisa, ele torturava o seu próprio povo.

Filho: Assim como fazem na China?

Pai: Não compare a China com o Iraque. A China é um bom parceiro económico, onde milhões de pessoas trabalham por salários de miséria, em condições miseráveis, para tornar as empresas norte-americanas mais ricas.

Filho: Então, se um país deixa que o seu povo seja explorado para o lucro das empresas americanas, é um bom país, mesmo se esse país tortura o povo?

Pai: Certo.

Filho: Por que é que o povo no Iraque era torturado?

Pai: Por crimes políticos, principalmente, como criticar o governo. As pessoas que criticavam o governo no Iraque eram presas e torturadas.

Filho: Não é isso o que também acontece na China?

Pai: Já disse, a China é diferente.

Filho: Qual é a diferença entre a China e o Iraque?

Pai: Bom, ao menos por uma coisa: o Iraque era governado pelo partido Baas enquanto que a China é comunista.

Filho: Você não tinha dito uma vez que os comunistas eram maus?

Pai: Não, só os comunistas cubanos são maus.

Filho: Por que é que os comunistas cubanos são maus?

Pai: Por que as pessoas que criticam o governo em Cuba são presas e torturadas.

Filho: Como no Iraque?

Pai: Exatamente.

Filho: E como na China, também?

Pai: Já disse, a China é um bom parceiro económico. Cuba, por outro lado, não é.

Filho: Por que é que Cuba não é um bom parceiro econômico?

Pai: No início dos anos 60, o nosso governo fez umas leis tornando ilegal o comércio com Cuba até que eles deixassem de ser comunistas e começassem a ser capitalistas como nós.

Filho: Mas se nós acabássemos com essas leis, abríssemos o comércio com Cuba, e começássemos a fazer negócios com eles, isso não ajudaria os cubanos a tornarem-se capitalistas?

Pai: Não se faça de esperto!

Filho: Eu acho que não sou.

Pai: Bom, de qualquer modo, também não há liberdade de religião em Cuba.

Filho: Assim como na China?

Pai: Já disse, deixa de falar mal da China. De qualquer maneira, Saddam Hussein chegou ao poder através de um golpe militar, por isso ele não era realmente um líder legítimo.

Filho: O que é um golpe militar?

Pai: É quando um general toma o poder pela força, em vez de eleições livres como nós temos nos Estados Unidos.

Filho: O líder do Paquistão não chegou ao poder através de um golpe militar?

Pai: Aaaah, sim, foi; mas o Paquistão é nosso amigo.

Filho: Como é que o Paquistão é nosso amigo se o seu líder é ilegítimo?

Pai: Eu nunca disse que o general Pervez Musharraf era ilegítimo.

Filho: Mas você acabou de dizer que um general que chega ao poder pela força, derrubando o governo legítimo de uma nação, é um líder ilegítimo!

Pai: Só Saddam Hussein. Pervez Musharraf é nosso amigo, porque ele nos ajudou a invadir o Afeganistão.

Filho: E porque é que nós invadimos o Afeganistão?

Pai: Por causa do que eles nos fizeram no 11 de setembro.

Filho: O que é que o Afeganistão nos fez no 11 de setembro?

Pai: Bem, em 11 de Setembro de 2001, dezenove homens, quinze dos quais da Arábia Saudita, desviaram quatro aviões e lançaram três contra edifícios, matando mais de 3.000 norte-americanos.

Filho: E onde é que o Afeganistão entra nisso tudo?

Pai: O Afeganistão foi onde esses homens maus foram treinados, sob o regime opressivo dos Talibãs.

Filho: Os Talibãs não são aqueles maus radicais islâmicos que cortam as cabeças e as mãos das pessoas?

Pai: Sim, são esses. Não só cortavam as cabeças e as mãos das pessoas, como também oprimiam as mulheres.

Filho: Mas o governo Bush não deu aos Talibãs mais de USD 40.000.000,00 em maio de 2001?

Pai: Sim, mas esse dinheiro foi uma recompensa porque eles fizeram um bom trabalho na luta contra as drogas.

Filho: Na luta contra as drogas?

Pai: Sim, os Talibãs ajudaram a impedir as pessoas de cultivarem papoulas de ópio.

Filho: Como é que eles fizeram tão bom trabalho?

Pai: É simples. Se as pessoas fossem apanhadas cultivando papoulas de ópio, os Talibãs cortavam-lhes as mãos e as cabeças.

Filho: Então, quando os Talibãs cortavam as cabeças e as mãos das pessoas que cultivavam flores, isso estava certo, mas não se eles cortavam as cabeças e as mãos por outras razões?

Pai: Bom, nós achamos que é certo os radicais fundamentalistas islâmicos cortarem as mãos das pessoas por cultivarem flores, mas achamos cruel que eles cortem as mãos das pessoas por roubarem pão.

Filho: Mas na Arábia Saudita eles também não cortam as mãos e as cabeças das pessoas?

Pai: Isso é diferente. O Afeganistão era governado por um patriarcado tirânico que oprimia as mulheres e as obrigava a usar burqas sempre que elas estivessem em público, e as que não cumprissem tal ordem eram condenadas à morte por apedrejamento.

Filho: Mas as mulheres na Arábia Saudita não têm também que usar burqas em público?

Pai: Não, as mulheres sauditas simplesmente usam uma vestimenta islâmica tradicional.

Filho: Qual é a diferença?

Pai: A vestimenta islâmica tradicional usada pelas mulheres sauditas é uma roupa modesta, mas em moda, que cobre todo o corpo da mulher, exceto os olhos e os dedos. A burqa das afegãs, por outro lado, é um instrumento maligno da opressão patriarcal que cobre todo o corpo da mulher, exceto os olhos e os dedos.

Filho: Parece-me a mesma coisa com um nome diferente.

Pai: Você não vai querer comparar o Afeganistão com a Arábia Saudita. Os sauditas são nossos amigos.

Filho: Mas você não disse que 15 dos 19 piratas do ar do 11 de setembro eram da Arábia Saudita?

Pai: Sim, mas foram treinados no Afeganistão.

Filho: Quem é que os treinou?

Pai: Um homem chamado Osama Bin Laden.

Filho: Ele era do Afeganistão?

Pai: Aaaah, não, ele era também da Arábia Saudita. Mas era um homem mau, um homem muito mau.

Filho: Se bem me lembro, ele já tinha sido nosso amigo.

Pai: Só quando nós o ajudámos e aos mujahadin a repelir a invasão soviética do Afeganistão, nos anos 80.

Filho: Quem são os soviéticos? Não eram do Império do Mal, comunista, que Ronald Reagan falava?

Pai: Já não há soviéticos. A União Soviética acabou por volta de 1990, e agora eles têm eleições e capitalismo como nós. Agora os chamamos de russos.

Filho: Então os soviéticos, quero dizer, os russos, agora são nossos amigos?

Pai: Mais ou menos. Eles foram nossos amigos durante uns anos, quando deixaram de ser soviéticos, mas depois decidiram não nos apoiar na invasão do Iraque, por isso agora estamos aborrecidos com eles. Também estamos aborrecidos com os franceses e com os alemães porque eles também não nos ajudaram a invadir o Iraque.

Filho: Então os franceses e os alemães também são maus?

Pai: Não completamente, mas suficientemente maus para termos mudado o nome das French Fries (batatas fritas) e das French Toasts para Freedom Fries (batatas da liberdade) e Freedom Toasts.

Filho: O Iraque não foi um dos nossos amigos nos anos 80?

Pai: Sim, durante algum tempo.

Filho: Saddam Hussein não era então o líder do Iraque?

Pai: Sim, mas nessa altura ele estava em guerra contra o Irão, o que fazia dele nosso amigo.

Filho: Porque é que isso fez dele nosso amigo?

Pai: Porque naquela altura o Irão era nosso inimigo.

Filho: Isso não foi quando ele lançou gás contra os curdos?

Pai: Sim, mas como ele estava em guerra contra o Irão, nós fazíamos de conta que não víamos, para lhe mostrar que éramos seus amigos.

Filho: Então, quem lutar contra um dos nossos inimigos torna-se automaticamente nosso amigo?

Pai: A maior parte das vezes sim.

Filho: E quando alguém luta contra um dos nossos amigos torna-se automaticamente nosso inimigo?

Pai: Às vezes isso é verdade. Porém, se as empresas americanas puderem lucrar vendendo armas para ambos os lados, ao mesmo tempo, tanto melhor.

Filho: Por que?

Pai: Porque a guerra é boa para a economia, o que significa que a guerra é boa para a América. Além disso, já que Deus está do lado da América, quem se opõe à guerra é um ateu, anti-americano, comunista. Percebes agora porque é
que atacamos o Iraque?

Filho: Acho que sim. Nós atacamos porque era a vontade de Deus, certo?

Pai: Sim.

Filho: Mas como é que nós sabíamos que Deus queria que atacassemos o Iraque?

Pai: Bem, Deus fala pessoalmente com George W. Bush e lhe diz o que fazer.

Filho: Então, basicamente, você está dizendo que atacamos o Iraque porque George W. Bush ouve vozes na cabeça?

Pai: Cala a boca, fecha os olhos e dorme!